Meu Querido Líder,
Fiquei feliz com a vitória,
rejubilei. Noite alta de domingo ainda andava por Lisboa a agitar bandeiras e a
cantar o nosso hino. A festa só acabou por volta das duas e tal da manhã, no
mercado da Ribeira, quando enfim nos sentámos diante de uma travessa de gambas
e uns copos de cerveja.
Sou filha de operários, sabe? Os meus
velhos nunca perdem aquela festa de Setembro na margem sul e vão a todas as manifestações
dos sindicatos, mas eu bem cedo percebi, sobretudo quando entrei para a
Faculdade e comecei a preparar-me para assumir responsabilidades, que o país
não avança com utopias e ideologias ultrapassadas. O país só irá em frente da
maneira que bem nos mostrou nestes últimos anos, assim possa continuar o seu
trabalho sem estorvo ou percalço.
Tendo ficado feliz, quero dizer-lhe
que estou agora preocupada. Depois da vitória, não esperava que passássemos por
este aperto. O senhor presidente em vez de o indigitar, mandou-o negociar com os que perderam, se já
se viu uma coisa destas! Então não fomos nós que ganhámos? Dizem que há outra
maioria, imagine-se, quando a única legítima e verdadeira é a nossa, aquela que
o povo nos deu para continuarmos a salvar a pátria.
Estou preocupada porque vejo-o na
televisão em conversinhas com os líderes derrotados e estes entre si a falarem
uns com os outros, com grandes abraços e apertos de mão, desejosos de fazerem
aquilo que não pode ser feito.
O meu namorado – que votou num
partido da extrema-esquerda que não elegeu deputados, tendo agora de pagar os
mais de cem mil euros que gastaram na campanha –, só tem gozado comigo nestes
últimos dias: toma lá e en-costa-te que não tens remédio, agarra-te ao
irrevogável e é se queres, etc. – bocas foleiras que me manda a toda a hora e
eu tenho de aguentar porque ele até é de boas famílias e não vou desfazer o
namoro para agarrar-me a um pobretanas qualquer sem eira nem beira.
Olhe, gostei muito de o ver em
Castelo de Vide na universidade de verão dos pequeninos. Espero que para o ano
nos encontremos por lá e as coisas estejam melhorzinhas. Com maioria absoluta só
nossa, sem irrevogáveis a atrapalharem e com um presidente mais direitinho do que
este que agora temos. Valha-o o Deus, tem-nos dado bastante jeito, mas já me
aborrece olhar para o homem, sempre a salivar em seco e a falar por parábolas como
um profeta da desgraça.
Despeço-me, Meu Querido Líder,
que corra tudo pelo melhor.
Beijinhos à esposa e às meninas.
Beijinhos à esposa e às meninas.
Esta que muito o admira,
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