domingo, novembro 02, 2014

AMIZADES ERÓTICAS


“Kundera enganou-se”, disse-me o meu amigo, piscando os olhos onde vogava um brilho de assertividade.
“Enganou-se”, repetiu.
Foi aí, no fulgor inesperado da repetição, que a coisa começou a interessar-me.
“Enganou-se em quê?”, perguntei.
E ele:
“Enganou-se naquela definição das amizades eróticas. Não é nada daquilo que ele diz, duzentas mulheres em oito anos, isso é a voragem do engate, apenas isso, o gajo confundiu as coisas.”
Admirei-me.
E o meu amigo:
“Sei bem o que são amizades eróticas, tenho várias.”
E acrescentou, o despudorado:
“Amizade erótica, como eu a vejo, é uma amizade marcada pelo erotismo, mas sem consumação carnal.”
Voltei a admirar-me.
“Escuta”, continuou, “é o mais erótico que há: uma amizade que se prolonga sob o signo do impulso sexual, porque há sempre erotismo numa amizade, mas retardada a sua concretização até aos limites do possível… ou do já não possível. Sentir-se que o que podia ter acontecido ainda não aconteceu, a vela do mistério a arder até ao fim, é muito estimulante… Porque depois de se passar ao acto, acaba-se o mistério, é sempre igual ao anterior.”
“Ó pá, mas isso dá mau resultado, elas têm pressa, não gostam de esperar…”
“Eu sei”, respondeu-me o meu amigo, “por isso é que em oito anos não tive duzentas, como a personagem do Kundera, mas apenas duas.”
Saí de ao pé dele e pus-me a deambular pela cidade, precisava de apanhar ar na cara. Há cada tipo mais esquisito! E são estes os amigos que temos!
 

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